Plena Atenção, Êxtase, e Mais Além (5)
Um Manual do Meditador
AJAHN BRAHM
Anterior – Capítulo 3, Parte 1: Os obstáculos à Meditação I (início)
Capítulo 3, Parte 2: Os obstáculos à Meditação I (conclusão)
Capítulo 4, Parte 1: Os Obstáculos à Meditação II (início)
Capítulo 4, Parte 2: Os Obstáculos à Meditação II (continuação)
Chapter 4c
Os obstáculos à meditação II
O Quinto Obstáculo – Dúvida
O último dos obstáculos é chamado dúvida (vicikicch). A dúvida pode ser em relação ao ensinamento, ao professor ou a si mesmo.
A respeito da dúvida sobre o ensinamento, por agora você deve ter confiança suficiente para saber que a meditação traz belos resultados. Você já pode ter experimentado muitos deles. Permita que essas experiências positivas fortaleçam sua confiança de que a meditação vale a pena. Sentar em meditação, desenvolver a mente em quietude, e especialmente, desenvolver a mente em jhānas são todas coisas tremendamente valiosas e trazem clareza, felicidade e entendimento dos ensinamentos de Buddha.
Com relação aos professores, eles são frequentemente como técnicos de times de esportes. O trabalho deles é ensinar a partir de suas próprias experiências e, mais importante, inspirar o estudante com palavras e feitos. Mas antes que você coloque sua confiança nos professores, confira-os. Observe seus comportamentos e veja por si mesmo se eles estão praticando o que ensinam. Se eles realmente sabem sobre o que estão falando, eles vão ser éticos, comedidos e inspiradores. Apenas se os professores liderarem pelo exemplo – um bom exemplo – você deve colocar sua confiança neles.
Dúvida a respeito de si mesmo – que pensa “eu sou um caso perdido, não sei fazer isso, sou inútil, estou certo que todos os outros que praticam meditação, exceto eu, já chegaram a jhānas e já são iluminados” – é frequentemente superada com a ajuda de um professor que inspira e encoraja. É trabalho do professor dizer “sim, você pode alcançar todas essas coisas. Muitas outras pessoas alcançaram, então por que não você?” Dê a você mesmo encorajamento. Tenha confiança de que você pode alcançar o que você quiser. De fato, se você tem determinação suficiente e confiança, então é apenas uma questão de tempo antes de você ter sucesso. As únicas pessoas que falham são aquelas que desistem.
Dúvidas também podem ser direcionadas ao que se está experimentando agora: “O que é isso? Isso é jhāna? Isso é consciência do momento presente?” Tais dúvidas são obstáculos. Elas são inapropriadas durante a meditação. Apenas torne sua mente o mais calma que pode ser. Deixar ir e aproveite a paz e a felicidade. Depois, você pode rever a meditação e perguntar “O que foi aquilo? Aquilo foi muito interessante. O que estava acontecendo naquele momento?” É assim que você descobre se foi ou não jhāna. Se, durante a meditação, o pensamento “isso é jhāna?” surgir, então não pode ser jhāna! Pensamentos como esses não podem surgir nesses estados profundos de quietude. Apenas depois, quando você revê esses estados, você pode olhar para trás e dizer, “Ah, aquilo era jhāna”.
Se você tem dificuldade em sua meditação, pare e se pergunte “qual dos obstáculos é esse?”. Descubra qual é a causa. Uma vez que você conheça a causa, então você pode lembrar da solução e aplicá-la. Se for desejo sensorial, apenas tire a atenção dos cinco sentidos pouco a pouco e aplique-a à respiração, ou à mente. Se é má vontade, pratique um pouco de bondade amorosa. Para preguiça e torpor, lembre-se “dê valor à atenção”. Se são inquietude e remorso, lembre-se “contentamento, contentamento, contentamento” ou então pratique perdão. E, se é dúvida, seja confiante e se inspire pelos ensinamentos. Sempre que meditar, aplique a solução de forma metódica. Dessa forma os obstáculos que você experimenta não se tornarão barreiras de longo prazo. São coisas que você pode reconhecer, superar e atravessar.
O espaço de trabalho dos obstáculos
Tendo discutido os cinco obstáculos separadamente, eu agora vou apontar que todos eles emanam de uma mesma fonte. Eles são gerados pelo “controlador maluco” dentro de você, que recusa a deixar ir.
Meditadores falham em superar os obstáculos por que os procuram no lugar errado. É crucial para o sucesso na meditação entender que os obstáculos devem ser vistos trabalhando no espaço entre o conhecedor e o conhecido. A fonte dos obstáculos é o “fazedor”, o resultado deles é falta de progresso, mas o seu espaço de trabalho é o espaço entre a mente e seu objeto de meditação. Essencialmente, os cinco obstáculos são problemas de relacionamento.
Meditadores habilidosos observando sua respiração também prestam atenção a como eles observam sua respiração. Se você vê expectativa entre você e sua respiração, então você está vendo sua respiração com desejo, parte do primeiro obstáculo. Se você notar agressão nesse espaço, então você está vendo a respiração com o segundo obstáculo, má vontade. Ou, se você reconhece medo nesse espaço, talvez ansiedade por perder a consciência da respiração, então você está meditando com uma combinação de obstáculos. Por um tempo pode parecer bem sucedido, capaz de manter a respiração em sua mente por vários minutos, mas você vai descobrir que está bloqueado de ir mais fundo. Você tem observado a coisa errada. Sua principal tarefa em meditação é notar esses obstáculos e superá-los. Assim, você merece cada estágio sucessivo de meditação, ao invés de tentar roubar o prêmio de cada estágio por ato de vontade.
Em cada estágio dessa meditação, você não pode agir errado se colocar bondade no espaço entre você e seja o que for que você está observando. Quando uma fantasia sexual está ocorrendo, coloque paz no espaço e a fantasia vai rapidamente ficar sem combustível. Faça as pazes, não entre em guerra com o embotamento. Coloque paz entre o observador e o seu corpo dolorido. E acorde um cessar-fogo na batalha entre você e sua mente errante. Pare de controlar e comece a deixar ir.
Assim como uma casa é construída por vários tijolos colocados um a um, também a casa da paz (jhāna) é construída com milhares de momentos de paz, feitos um a um. Quando, momento após momento, você coloca paz ou gentileza, ou bondade, nesse espaço, então as fantasias sexuais não são mais necessárias, a dor esvanece, o embotamento transforma-se em claridade, a inquietude fica sem gás, e jhāna simplesmente acontece. Em resumo, observe que os cinco obstáculos ocorrem no espaço entre o observador e o que é observado. Então, coloque paz e bondade amorosa nesse espaço. Não apenas esteja atento, mas desenvolva o que eu chamo de atenção incondicional, a consciência que nunca controla ou interfere com o que quer que conheça. Então, todos os obstáculos serão reduzidos e logo desaparecerão.
A analogia da cobra
Muitos meditadores reclamam de um obstáculo de estimação, um problema na meditação que os impede de novo e de novo. Obstáculos recorrentes podem ser superados usando um método derivado da analogia da cobra, que segue:
Nos meus primeiros anos como monge da floresta, na Tailândia, eu seguidamente retornava descalço para meu abrigo tarde da noite no escuro, porque não havia baterias para minha lanterna. Apesar dos caminhos da floresta serem compartilhados com muitas cobras, eu nunca fui picado. Eu sabia que elas existiam em grande número e que eram muito perigosas, por isso, eu caminhava com muito cuidado, à procura delas. Se eu visse uma faixa escura no caminho, apesar de poder ser um galho, eu a pulava, ou seguia outra rota. Assim, eu evitei com sucesso o perigo.
Da mesma forma, no caminho da meditação, há muitos obstáculos esperando para agarrá-lo e impedir seu progresso. Se você apenas lembrar que eles estão rondando e que são perigosos, então você vai estar atento à eles e nunca será pego.
Seu obstáculo de estimação é como a espécie mais comum de cobras, uma que já o picou muitas vezes. Então, no começo de cada sessão de meditação, lembre-se desse seu obstáculo de meditação. Alerte a si mesmo sobre como é perigoso. Então, você vai estar atento a ele, no espaço entre o conhecedor e o conhecido, ao longo da meditação. Usando esse método, você raramente será pego.
A estratégia Nālāgiri
Alguns meditadores afirmam experimentar todos os cinco obstáculos de uma vez em grande força!
Nesse momento, eles pensaram que estavam ficando loucos. Para ajudar tais meditadores com esse agudo e intenso ataque de todos os obstáculos, eu ensino a estratégia Nālāgiri baseada como um episódio bem conhecido da vida do Buddha.
Inimigos tentaram matar o Buddha soltando um elefante intoxicado chamado Nālāgiri nas ruas estreitas em que o Buddha estava caminhando, pedindo esmolas. Aqueles que viram o elefante louco gritaram para avisar o Buddha e seus discípulos monges para sair do caminho. Todos os monges saíram, exceto Buddha e seu atendente fiel, o Venerável Ananda. Ananda moveu-se bravamente, colocando-se à frente a seu mestre, pronto para proteger seu adorado professor, sacrificando sua própria vida. Gentilmente, o Buddha empurrou o Venerável Ananda para o lado e encarou o elefante furioso sozinho. O Buddha certamente possuía poderes psíquicos e eu acredito que ele poderia pegar um grande elefante pela tromba, girá-lo três vezes sobre sua cabeça e jogá-lo através do rio Ganges centenas de milhas longe! Mas esse não é o caminho do Buddha. Ao invés disso, ele usou bondade amorosa/deixar ir. Talvez o Buddha pensou algo como “Querido Nālāgiri, a porta do meu coração está sempre aberta para você não importa o que você venha a fazer para mim. Você pode me golpear com sua tromba ou me esmagar embaixo de seus pés, mas eu não te dou nenhuma má vontade. Eu vou amar você incondicionalmente”. O Buddha gentilmente colocou paz entre ele e o elefante perigoso. Tal era o poder dessa autêntica bondade amorosa/deixar ir que em alguns poucos segundos a raiva do elefante retrocedeu e Nālāgiri estava mansamente prostando-se diante do Compassivo, tendo sua tromba gentilmente acariciada “Isso, Nālāgiri, isso…”.
Há momentos na prática de um meditador que sua mente é tão louca quanto um elefante furioso, atacando e esmagando tudo. Em tais situações, por favor, lembre a estratégia Nālāgiri. Não use força para subjugar sua mente elefante furiosa. Ao invés disso, use bondade amorosa/deixar ir: “Querida mente maluca minha, a porta do meu coração está completamente aberta para você, não importa o que você fizer a mim. Você pode me destruir ou me esmagar, mas eu não vou lhe dar má-vontade. Eu a amo, minha mente, não importa o que você faça”. Faça as pazes com sua mente maluca, ao invés de lutar contra ela. Tal é o poder da bondade amorosa/deixar ir autêntica que, em um espaço de tempo surpreendentemente pequeno, a mente vai ser libertada de sua raiva e parar mansamente ante a você, enquanto sua gentil atenção a acaricia “Isso, mente, isso”…
Quando os obstáculos são nocauteados
A questão que geralmente surge é por quanto tempo os obstáculos ficarão nocauteados. Quando eles são superados, isso significa para sempre ou só durante a meditação? De início, você os supera temporariamente. Quando você emerge da meditação profunda, você notará que esses obstáculos desaparecem por um tempo maior. A mente está muito afiada, muito quieta. Você pode manter sua atenção em uma coisa por um longo tempo, e você não tem má vontade alguma. Você não pode ficar brabo com alguém, mesmo que essa pessoa te atinja na cabeça. Você não está interessado em prazeres sensuais como o sexo. Esse é o resultado da boa meditação. Mas depois de um tempo, dependendo da profundidade e da duração da meditação, esses obstáculos voltarão. É como se eles estivessem em um canto do ringue de box e eles apenas foram nocauteados. Eles estão “inconscientes” por um tempo. Eventualmente, eles voltam de novo e começam a aplicar seus truques. Mas pelo menos você sabe o que é ter superado esses obstáculos. Quanto mais você volta para os estágios profundos da meditação – quanto mais frequentemente você nocautear os obstáculos – mais frágeis e fracos eles se tornam. Então, é o trabalho dos insights de iluminação providenciar uma oportunidade de sabedoria. A sabedoria vai ver através desses obstáculos enfraquecidos e destruí-los. Quando os obstáculos forem completamente abandonados, você está iluminado. Se você está iluminado, não há dificuldade em entrar em jhānas, por que os obstáculos não existem mais. O que havia entre você e jhānas foi completamente erradicado.
Tradução: Luiza Figueiro Salzano
Revisão: Monja Isshin
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