Atenção Plena, Êxtase, e Mais Além (2)

Atenção Plena, Êxtase, e Mais Além
Um manual para meditadores
Ajahn Brahm

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Capítulo 3 (Parte 2)
O Segundo Obstáculo – Má vontade

O segundo obstáculo, a má vontade ou vyâpâda, é também um dos obstáculos principais para a meditação profunda, especialmente para os meditadores ocidentais. O entendimento usual deste segundo obstáculo é a raiva dirigida a uma outra pessoa. Mas isso não é toda a extensão da má vontade, porque é mais provável que a má vontade seja dirigida para você próprio ou para o objeto de meditação.

Má vontade para consigo mesmo

A má vontade em relação a si mesmo pode se manifestar como um não permitir-se entrar em estados de bem-aventurança, sentir-se em paz ou tornar-se bem-sucedido na meditação. Há muitas pessoas que têm complexos de culpa muito profundos. Esta é uma característica mais comum no ocidente em função da maneira como muitos de nós foram educados.

A má vontade em relação a si mesmo é algo que você deve ter cuidado na meditação. Pode ser o principal obstáculo que está impedindo você de aprofundar-se na meditação. Este problema me foi apontado alguns anos atrás, quando uma monja ocidental estava me contando sobre a sua meditação. Muitas vezes, ela mergulhava muito profundamente em sua meditação, quase entrando nos jhanas. Estava na entrada, ela disse, e a única coisa que a segurava foi a sensação de que ela não merecia essa felicidade! Era a má vontade com ela mesma que a segurava, a relutância em permitir-se a bem-aventurança. Tenho observado isto em muitas pessoas desde então. Às vezes, quando a meditação se torna tranquila, quando a bem-aventurança surge, pensamos que deve haver algo errado. Temos má vontade em relação a nós mesmos, por isso não nos permitimos estar felizes e livres.

No caso da monja, ela viu muito claramente que a única coisa entre ela e os jhanas era uma forma sutil do obstáculo de má vontade. Ela não achava que merecia tanta bem-aventurança. Mas você merece tamanha felicidade sim. Por que não? Não há nada contra a bem-aventurança. Existem, sim, alguns tipos de êxtase neste mundo que são ilegais. Há outros tipos de felicidade que quebram os preceitos budistas, causam doenças ou têm efeitos secundários terríveis. Mas os Jhanas não têm efeitos colaterais ruins, não são ilegais e Buda especificamente os incentivou.

Se olhar cuidadosamente a forma como você medita, poderá encontrar o obstáculo da má vontade, mas não ainda nessa última etapa antes dos jhanas. Você o encontra em algum estágio anterior da meditação, quando você não está se permitindo deliciar-se. Talvez você prefira sentar aguentando dor em vez de desfrutar de paz e felicidade. Talvez você pense que não merece  felicidade, bem-aventurança e liberdade. Uma aversão à felicidade interior é um sinal certo de culpa.

Quando alguém é declarado culpado, geralmente se segue uma punição, talvez imposta por um tribunal da justiça. Culpa e castigo são inseparáveis em nossa cultura e em nossas mentes. Se nos sentimos culpados por algum motivo, o passo seguinte é pensarmos em castigar-nos e negar-nos algum tipo de prazer, felicidade e liberdade. No Ocidente as pessoas simplesmente ficam procurando punições. Isso é uma loucura!

Boa vontade consigo mesmo

Para superar esse obstáculo faça alguma meditação sobre a bondade-amorosa. Dê a si mesmo uma chance. Diga a si mesmo: “A porta para o meu coração está aberta a todos os meus aspectos. Permito-me a felicidade. Permito-me paz. Tenho boa vontade comigo mesmo, a boa vontade suficiente para me permitir ficar calmo e vivenciar a bem-aventurança durante esta meditação”. Se você encontra dificuldade em estender a benevolência para com você mesmo, pergunte por quê. Pode haver um complexo de culpa, bem enraizada dentro de si, e você ainda espera a punição. Você não tem dado o perdão incondicional a si mesmo.

Uma ética bonita do budismo é que não importa o que alguém faz para você ou por quanto tempo ele tem feito isso a você, não importa quão injusto, cruel, indigno ou não-merecido o seu tratamento tem sido, você ainda pode perdoá-lo absolutamente. Eu ouço as pessoas dizendo que às vezes há coisas que não se pode perdoar. Isso não é o budismo! Não há nada, absolutamente nada, que não se pode perdoar no budismo. Alguns anos atrás, um homem demente foi a uma escola primária na Escócia e matou muitas crianças pequenas. No serviço religioso depois da chacina, um clérigo proeminente pediu a Deus para não perdoar esse homem, argumentando que algumas coisas não se pode perdoar! Meu coração afundou-se quando soube que um líder religioso não oferecia o perdão e mostraria o caminho para curar a dor das pessoas no rescaldo da tragédia.

Em relação ao budismo, pode-se perdoar tudo. Seu perdão é curativo. O seu perdão resolve problemas antigos e nunca cria novos. Mas por causa de atitudes arraigadas que talvez tenha consigo mesmo, você não consegue perdoar a si mesmo. Às vezes o problema está enterrado bem profundamente em seu interior. Às vezes, você já o esqueceu. Você só sabe que há algo dentro de si pelo qual se sente culpado, que não pode perdoar.

Você tem alguma razão para negar liberdade, jhana e iluminação a si mesmo. Essa má vontade em relação a si pode ser a principal razão pelo qual a sua meditação não é bem sucedida. Verifique isto.

Má vontade para com o objeto de meditação

A má vontade em relação ao objeto da meditação é um problema comum para as pessoas que tem feito a meditação sobre a respiração sem muito sucesso ainda. Digo “ainda” porque é apenas uma questão de tempo. Todos terão sucesso se seguirem as instruções. Mas se você não conseguiu ainda pode ser que você tenha alguma má vontade em relação à meditação ou ao objeto de meditação. Você pode se sentar e pensar: “Oh, aqui vamos nós de novo”, “Esta vai ser difícil”, “Eu realmente não quero fazer isso”, “Eu tenho que fazer isso porque é o que os meditadores fazem”, ou “Eu tenho que ser um bom budista e é isso que os budistas devem fazer”. Se você começar a meditação com má vontade para com a meditação, fazê-la, mas não gostando dela, então ela não vai funcionar. Você está imediatamente colocando um obstáculo na frente de si mesmo.

Eu amo a meditação. Eu gosto muito. Certa vez, quando liderei um retiro de meditação, ao chegar, disse aos meus companheiros monges: “Que legal! Um retiro de meditação!” Levantei-me cedo todas as manhãs realmente animado. “Uau, estou num retiro de meditação. Não tenho que fazer todas as outras coisas que eu faço no mosteiro”. Eu amo tanto a meditação, e eu tenho tanta boa vontade em relação a ela que não há nem um pouquinho de aversão. Basicamente, sou um “viciado em meditação”, e se você tem esse tipo de atitude, então você descobre que a mente, como o Buda disse, “salta para a meditação” (AN IX, 41).

Eu gosto de fazer esta comparação: você está andando na rua quando você vê um velho e querido amigo, no lado oposto da rua. Vocês já tiverem bons momentos juntos. Não importa onde você está indo ou o que você deveria estar fazendo, você não consegue evitar de correr até o outro lado da rua, pegar seu amigo pela mão e dar um abraço nele. “Vamos tomar um cafezinho. Não me importo se vou ficar atrasado para um compromisso. Faz tanto tempo desde que eu vi você. Vamos, vamos passar algum tempo juntos”. A meditação é como um velho e querido amigo com quem você deseja passar tempo. Você está disposto a largar todas as outras coisas. Se eu vejo uma meditação a uma milha de distância, eu vou correr em direção a ela para dar-lhe um bom abraço dos velhos tempos e levá-la para uma xícara de café em algum lugar.

E, em relação ao objeto da meditação, a respiração, nós tivemos tantos bons tempos juntos, minha respiração e eu. Somos os melhores companheiros. Se você considerar a respiração com esse tipo de boa vontade, você pode ver porque é tão fácil de observar a respiração em sua meditação.

O oposto, obviamente, é quando você sabe que tem que ficar com essa droga de respiração e você não gosta dela. Você já teve tanta dificuldade com esta respiração. Você vê isso se aproximando do outro lado da rua e você pensa: “Oh meu Deus, aí vem ela de novo”. Você tenta se esquivar e esconder atrás de um poste para que ela não possa vê-lo.  Você só quer escapar. Infelizmente, algumas pessoas desenvolvem este tipo de má vontade para com a respiração. Se não for apontado para eles, eles irão considerar a meditação como uma tarefa desagradável. Não há felicidade nela. Torna-se algo como ir à academia de ginástica. “Se não há dor, então não há ganho”. Você levanta pesos até que realmente doa, porque você pensa que vai chegar em algum lugar desse jeito. Se essa é a maneira que você entra na meditação, então você não tem esperança.

Então, cultive a boa vontade em relação ao objeto de meditação. Programe-se para deliciar-se com esta meditação. Pense: “Uau! Lindo!  Tudo que eu tenho que fazer é só sentar e não fazer nada mais – nada para construir, sem cartas para escrever, sem telefonemas para fazer. Eu só preciso sentar aqui e ficar com meu velho amigo, a minha respiração”. Se você puder fazer isto, você abandonou o obstáculo da má vontade, e desenvolveu o seu oposto: a bondade-amorosa para com sua respiração.

Eu uso o seguinte método para superar qualquer má vontade para com a minha respiração. Eu olho para a minha respiração como um filho ou filha recém-nascido. Você deixaria seu filho no shopping e simplesmente o esqueceria? Deixaria ele cair no chão quando está andando na estrada? Deixaria ele ficar fora de sua vista por muito tempo? Porque é que não conseguimos manter a nossa atenção na respiração? Novamente, isto é porque nos falta a bondade para com a nossa respiração, nós não temos prazer com ela e nós não a apreciamos. Se você gosta de sua respiração tanto quanto o seu filho ou alguém que é muito, muito caro para você e muito vulnerável, você nunca iria deixá-la cair, esquecê-la, ou abandoná-la. Você sempre ficaria atento a ela. Mas se você tem má vontade para com a respiração, você vai se descobrir vagueando e a esquecendo. Você está tentando perdê-la, porque você não gosta dela tanto assim. É por isso que você perde o seu objeto de meditação.

Em suma, a má vontade é um obstáculo, e você superar esse obstáculo pela compaixão a todos os outros, o perdão para si mesmo, benevolência para com o objeto de meditação, boa vontade para com a meditação e amizade com a respiração. Você pode ter bondade-amorosa para com o silêncio e o momento presente também. Quando você se importa com esses amigos que residem na mente, você supera qualquer tipo de aversão para com eles como objetos de meditação. Quando você tiver a bondade-amorosa em relação ao objeto de meditação, você não precisará muito esforço para segurá-la. Você simplesmente o ama tanto que ficar junto se torna fácil.

. Ler Parte 3

Tradução e Revisão Final: Monja Isshin
Revisão do Português: Ananda Feix Ribeiro

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