Eu, aqui e agora
de Shundo Aoyama Roshi
abadessa do Mosteiro Feminino de Aichi
(Aichi Senmon Nisodo)
O contrário do esforço diligente – Shojin – é a auto-indulgência, a negligência que segue apenas as paixões – Hoitsu. Na vida que busca o Shojin, precisamos deixar de lado nossa vontade pessoal e nos esforçar ao máximo para desempenhar o papel que nos foi confiado, aqui e agora.
Recentemente fiquei comovida ao ler uma poesia chamada “Pano de chão”, do poeta Michio Mado :
Quando volto para casa em um dia de chuva
o pano de chão está me esperando
com a cara de um pano de chão.
Um rosto conhecido!
Mas certamente não era sua opção
tornar-se um pano de chão.
Até pouco tempo atrás
tinha a cara de uma camisa.
“sou uma camisa”, dizia.
Era macia como se fosse minha segunda pele
mas certamente tornar-se camisa
não foi sua opção.
Talvez há muito tempo,
em uma terra como a América
teria sorrido como uma flor de algodão
sorrindo para o vento e para o sol.
Se eu fosse um pano de chão, talvez dissesse. “seria melhor ser uma camisa”. Ou então: “agora me tornei um pano de chão, mas antes eu era uma bela camisa”. Um pano de chão que se lamenta assim não é útil. Não é nada fácil um pano de chão com a forma de uma camisa. Desempenhar plenamente o papel que nos foi confiado significa transformar-se plenamente em uma camisa quando temos que ser uma camisa, e voltar a ser um pano de chão quando devemos ser um pano de chão. Esta é a imagem de quem vive seguindo o caminho da verdade – Shojin – sem pensar em seus desejos caprichosos.
Pensar que o pano de chão não é importante e tem menos valor do que a camisa é uma idéia banal, a mentalidade típica dos seres humanos. Neste mundo, não há diferença de valor entre um objeto e outro. Ouvi dizer que um pino de poucos milímetros que sustenta os mecanismos de um relógio de cem mil yens custa apenas dez yens. Mas este pino tão barato é tão essencial ao funcionamento da vida quanto um objeto muito mais caro. Cada parte do relógio tem seu papel no funcionamento do mecanismo e, a cada instante, trabalha sem cessar para que o relógio não pare. Também nosso trabalho – qualquer que seja ele – é como as engrenagens de um relógio, mantendo uma família, uma empresa, um país e o mundo.
Se trabalharmos seriamente a cada instante, colocando de lado nossos pensamentos e interesses egoístas, podemos nos transformar em uma luz que ilumina as pessoas que nos circundam. Nossa presença por si só é suficiente para iluminar e nos tornamos a própria aparição de Shojin Haramitsu
– de Shundo Aoyama Rôshi.
Nota: Shojin (virya em sânscrito) é, de acordo com os textos antigos, a função mental que permite a alguém perseverar diligentemente na doutrina correta enquanto se afasta de todas as doutrinas falsas. Em épocas mais recentes passou a significar diligência, assiduidade, constância, devoção e até mesmo abstinência. É um dos Seis Paramitas: dana – doação, sila – preceitos, kasnti – paciência, virya – assiduidade, dyana – meditação e prajna – sabedoria. São as seia espécies de prática dos bodhisattvas.
A palavra japonesa ‘haramitsu’ significa ‘paramita’.
do livro Para uma pessoa bonita: Contos de uma mestra zen
Prefácio da Monja Coen, traduzido por Tomoko Ueno.
São Paulo: Editora Palas Athena / Zen do Brasil, 2002. Pág. 103-105
abril 18, 2008 às 8:14 pm
Esse poema me pegou de uma forma profunda, pois agora me sinto um pano de chão.
Custou dor, tempo e raiva para me adaptar à situação.
O fundamental foi deixar de ter autocomiseração, de lamentar e reclamar. Viver a impermanência de forma clara.
Pensava que havia conquistado: status, condições razoáveis de vida, com o tranco, percebí o vazio; o mêdo, tenho orgulho do que faço agora. Deixei minha vida pessoal de lado, minha profissão original, conto moedas; mas há pouco tempo um amigo me disse: inacreditável seu senso de humor, seu contentamento, vivendo da forma que vive…
Nilismo? Alienação? – Não, apenas a consciência de que o que faço agora é mais importante, mesmo que aos olhos de outros tenha pouca valia ou nada valha.
Muito obrigado pela publicação do texto, ainda não lí esse livro.
Gassho.
Manoel
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