Dois textos resumem de uma forma maravilhosa os ensinamento do fundador de nossa tradição, Mestre Dogen, e são lidos regularmente nos mosteiros.
1. Shushôgi – O Significado da Prática-Iluminação
Distribuido em 1890 com o nome de Soto Kyokai Shushogi, o Shushogi é composto principalmente de citações diretas do Shobogenzo, obra prima do fundador da escola Soto Zen, Mestre Eihei Dogen.
Em cinco capítulos, fornece um excelente resumo dos ensinamentos básicos de nossa tradição, mostrando como viver de acordo com o Buda-darma.
- Nota: a pronúncia em português é aproximadamente “shushoogui”.
2. Fukanzazengui – Regras Universais do Zazen
Shushôgi
O Significado da Prática-Iluminação
1. Introdução Geral
Ο O completo esclarecimento do significado do nascimento-e-morte – eis a mais importante de todas as questões para os budistas. Se há Buda dentro do nascer-morrer, não há nascer-morrer. Simplesmente compreenda que nascimento-e-morte são em si mesmo Nirvana; não existindo nascimento-e-morte a ser odiado, nem Nirvana a ser desejado. Então, pela primeira vez, você estará livre do nascimento e da morte. Tomar conciência deste problema é de importância suprema.
Ο Nascer como ser humano é algo raro; ainda mais raro é entrar em contato com o Dharma-budista. Pelas nossas virtudes do passado, entretanto, fomos capazes não apenas de nascer humanos mas também de encontrar o Budismo. Dentro do campo de nascimento-e-morte, então, nossa vida atual deve ser considerada a melhor e a mais excelente de todas. Não desperdicem seus preciosos corpos humanos à toa, abandonando-os aos ventos da impermanência.
Não se pode confiar na impermanência. Não sabemos quando nem onde nossa vida transiente terminará. Nossos corpos não nos pertencem; e a vida, à mercê do tempo, continua sem parar nem por um momento. Assim que a face da juventude desaparece, não é possível encontrar nem mesmo traços dela. Quando pensamos cuidadosamente, descobrimos que o tempo, uma vez perdido, nunca volta. Frente à impermanência, nem reis, ministros de estado, parentes, servos, mulher e filhos e jóias raras podem nos socorrer. Devemos entrar no reino da morte a sós, acompanhados apenas pelo nosso bom e mau Carma.
Vocês devem evitar se associar àquelas pessoas deludidas neste mundo que são ignorantes da lei da causalidade e retribuição kármica. Elas não sabem da existência dos três estágios do tempo e são incapazes de distinguir o bem do mal. A lei da causalidade, entretanto, é ao mesmo tempo clara e impessoal: os que fazem o mal inevitavelmente caem (no inferno), os que fazem o bem inevitavelmente ascendem (ao céu). Se assim não fosse, os vários Budas não teriam surgido neste mundo, nem teria Bodidharma ido para a China.
A retribuição de bem e mal ocorre em três diferentes períodos no tempo: primeiro, a retribuição experimentada na vida presente; segundo, a retribuição na vida seguinte a esta; terceiro, a retribuição em vidas subseqüentes.
Esta é a primeira coisa que deve ser estudada e compreendida quando praticar o Caminho. Ο Caso contrário, muitos de vocês cometerão erros e manterão pontos de vista falsos. Não apenas isso, cairão nos mundos maus, passando por longos períodos de sofrimento.
Ο Compreenda que nesta vida você só tem uma vida, não duas ou três.Quão lamentável se, mantendo pontos de vista falsos, ficamos sujeitos às conseqüências das ações errôneas.
Pensando que não estamos fazendo o mal, quando de fato o estamos fazendo, • erradamente imaginando que não haverá quaisquer conseqüências do mal. • Não podemos evitar a retribuição kármica.
2. Liberação pelo Arrependimento
Ο Os Budas e ancestrais devido à sua ilimitada misericórdia, deixaram abertos os grandes portais da compaixão, a fim de que todos os seres – tanto humanos quanto celestiais – possam assim realizar a iluminação. Embora a retribuição kármica por atos maus deva surgir em um dos três estágios do tempo, o arrependimento abranda seus efeitos, trazendo alívio e pureza.
Ο Assim, vamos nos arrepender em frente ao Buda com toda sinceridade. O poder-mérito de arrependimento ante ao Buda não apenas nos salva e purifica, mas também encoraja o crescimento da pura fé sem dúvida, e o esforço correto em nós mesmos. Quando a pura fé aparece transforma a nós mesmos e ao outro, seus benefícios se estendendo a todas as coisas, tanto animadas quanto inanimadas.
A essência do ato de arrependimento é o seguinte: “Mesmo que o acúmulo de carma negativo tenha sido tão grande no passado que forme um obstáculo na prática do caminho, rogamos a todos os Budas iluminados e misericordiosos que nos libertem da retribuição kármica, eliminando todos os obstáculos à prática do caminho. Que os seus méritos possam preencher Ο e reger sobre o reino ilimitado do Darma, para que compartilhem conosco sua compaixão. Os Budas e ancestrais foram uma vez como nós, no futuro seremos como eles.
Ο “Todo o meu Carma negativo do passado, nascido da ganância, raiva e ignorância sem início; produtos de meu corpo, fala e mente, de tudo agora eu me arrependo.” Se nos arrependemos desta forma deveremos sem dúvida, receber a invisível ajuda dos Budas e ancestrais. • Mantendo isso em mente e agindo de maneira correta, • fazemos abertamente nosso arrependimento em frente ao Buda. O poder daí advindo cortará as raízes de nosso Carma negativo.
3. Ordenação e Iluminação
Ο Em seguida, devemos profundamente venerar os Três Tesouros de Buda, Darma e Sanga. Devemos fazer o voto de fazer ofertas e honrar os Três Tesouros até mesmo em vidas e corpos futuros. Os Budas e ancestrais tanto na Índia como na China corretamente transmitiram esta veneração de Buda, à Lei e à Comunidade Budista.
Ο Pessoas sem sorte e pouca virtude são incapazes de ouvir sequer o nome dos Três Tesouros, quanto mais se refugiar neles. Não ajam como esses que, compelidos pelo medo, em vão se refugiam em divindades das montanhas e espíritos ou adoram altares não-Budistas, porque é impossível ganhar alívio do sofrimento dessa forma. Ao contrário, rapidamente se refugiem nos Três Tesouros de Buda, Darma e Sanga, e encontrarão não somente a libertação do sofrimento mas eles os levarão à realização da iluminação.
Refugiar-se nos Três Tesouros significa possuir uma fé pura.Quer seja durante a vida do Tathagata ou após, colocamos as mãos juntas em gassho e, de cabeça baixa, cantamos o seguinte:”Refugiamo-nos em Buda. Refugiamo-nos na Lei, o Darma.Refugiamo-nos na Comunidade Budista.Refugiamo-nos em Buda porque ele é nosso grande mestre.Refugiamo-nos na Lei porque é bom remédio.Refugiamo-nos na Comunidade Budista porque é composta de excelentes amigos.”É somente através do refúgio nos Três Tesouros que alguém se torna discípulo de Buda e se qualifica a receber todos os outros preceitos.
O mérito de se refugiar nos Três Tesouros inevitavelmente aparece quando há uma comunicação espiritual de solicitação e resposta. Quando há uma comunicação espiritual de solicitação e resposta, todos se refugiam, quer se encontrem existindo como seres celestiais ou humanos, moradores dos infernos, espíritos famintos, ou animais. Como resultado, o mérito assim acumulado inevitavelmente aumenta através dos vários estágios da existência, conduzindo finalmente à mais alta e suprema iluminação. O mérito do refúgio nos Três Tesouros é o mais honrado, de um valor insuperável e de incomensurável profundidade. Saiba que mesmo o próprio Honrado do Mundo já testemunhou este fato. Logo, todas as criaturas deveriam assim se refugiar.
Em seguida devemos receber os Três Preceitos Puros. O primeiro é o de não fazer o mal; o segundo de fazer o bem e o terceiro de conferir abundantes benefícios a todas criaturas vivas. Então aceitamos as Dez Grandes Proibições: Primeiro: não matar; Segundo: não roubar; Terceiro: não praticar atos sexuais impróprios; Quarto: não mentir; Quinto: não se intoxicar; Sexto: não falar dos erros dos outros; Sétimo: não se elevar nem rebaixar os outros; Oitavo: não ser avarento com o Darma nem com os bens; Nono: não ser levado pela raiva; Décimo: não falar mal dos Três Tesouros. Todos os Budas recebem e observam estes Três Refúgios,os Três Preceitos Puros e as Dez Graves Proibições.
Recebendo estes preceitos a pessoa realiza a suprema sabedoria Bodhi, a sólida e indestrutível iluminação dos vários Budas nos três estágios do tempo. Há alguma pessoa sábia que não procure alegremente este objetivo? O Honrado do Mundo claramente mostrou a todos os seres que quando eles recebem os preceitos de Buda, entram no campo dos vários Budas – verdadeiramente se tornando suas crianças e realizando a mesma grande iluminação.
Ο Todos os Budas existem neste campo, percebendo tudo claramente sem deixar pegadas. Quando seres comuns fazem deste o seu campo deixam de distinguir entre sujeito e objeto. Ο Nessa hora tudo no universo – tanto terra, grama, árvore, muro, tijolo, ou pedregulho – realizam a obra dos Budas, funcionando como manifestação de iluminação. Aqueles que recebem os efeitos dessa manifestação realizam iluminação sem o perceber. • Este é o mérito da não-intenção, o mérito do não-artifício. • É acordar para a mente Bodhi.
4. Fazendo os Votos de Beneficiar Todos os Seres
Ο Acordar a mente Bodhi significa fazer o voto de não atravessar para a outra margem antes que todos os seres o tenham feito. Tanto leigo como monge, vivendo no mundo de seres celestiais ou humanos, sujeito à dor ou prazer, todos rapidamente devem fazer este voto.
Ο Embora de aparência humilde, uma pessoa que tenha acordado para a mente Bodhi já é um professor de toda humanidade. Até mesmo uma menina de sete anos pode se tornar uma professora nas quatro classes de budistas e ser a mãe compadecida de todos os seres, pois homens e mulheres são completamente iguais. Este é um dos mais altos princípios do Caminho.
Após ter acordado para a mente Bodhi, mesmo vagabundear pelos seis planos da existência e pelas quatro formas de vida se torna uma oportunidade para praticar o voto altruísta. Logo, mesmo que até agora vocês tenham passado o tempo em vão, devem rapidamente fazer esse voto, enquanto é tempo. Embora vocês tenham adquirido mérito suficiente para realizar o Caminho de Buda, vocês devem colocá-lo à disposição de todos os seres a fim de que eles realizem o Caminho. Há alguns que praticam durante aeons incontáveis sacrificando sua própria Iluminação a fim de que todos os seres se beneficiem, ajudando-os primeiramente a cruzar para a outra margem.
Há quatro espécies de sabedoria que beneficiam outros: doações, palavras amáveis, ações bondosas e identificação, todas sendo práticas do Voto de um Bodhisatva. “Doação” significa não cobiçar. Embora seja verdade que em essência nada pertence ao ser, isto não deve nos restringir de fazer ofertas. O tamanho da oferta não importa: é a sinceridade com a qual é dada. Logo, a pessoa deve estar pronta a compartilhar até mesmo uma frase ou verso do Darma, pois isto se torna a semente do bem, tanto nesta vida como na próxima. Este também é o caso ao dar de seus tesouros pessoais, seja uma só moeda ou uma folhinha de grama, pois a lei é o tesouro e o tesouro é a lei. Sem esperar recompensa ou agradecimentos, devemos compartilhar com os outros. Fornecer um barco transportador ou uma ponte também são atos de doação, assim como ganhar seu sustento e produzir bens.
O significado de “palavras amáveis” é o de que ao observar todos os seres a pessoa se enche de compaixão por eles, dirigindo-se a eles afetuosamente. Isto quer dizer, falar com um sentimento de doçura e vê-los como seus próprios filhos. O virtuoso deve ser elogiado e o sem virtude apiedado. Palavras amáveis são a fonte para superar o ódio de amargos inimigos e cultivar a harmonia entre os amigos. Ouvir diretamente palavras amorosas ilumina a face e aquece o coração. Uma impressão ainda mais profunda é feita ao ouvir palavras amáveis que foram ditas na sua ausência. Lembre-se de que palavras amáveis possuem o poder de mover os céus.
“Ações Bondosas” significa encontrar meios de ajudar os outros, sem se importar com sua posição social. Aqueles que ajudaram a tartaruga aprisionada ou o pássaro ferido não esperavam nada em retorno por sua ajuda; eles simplesmente agiram por benevolência. Os tolos pensam que seus interesses próprios irão sofrer se colocarem o beneficio alheio em primeiro lugar. Entretanto estão errados. Benevolência é como um círculo, beneficiando igualmente a nós mesmo e aos outros.
Ο “Identificação” significa não-diferenciação – não fazer diferença entre o ser e os outros. Por exemplo, é como o humano Tathagata que viveu a mesma vida que todos nós humanos. Ο Identificamos os outros conoscos mesmos e identificamos a nós mesmo com os outros. Nestes momentos, o si-mesmo e o outro se tornarão um. Identificação é como o oceano, que não declina nenhuma água, sem importar qual sua origem, todas as águas se juntando para formar o mar.
Quietamente reflitam sobre o fato de que os ensinamentos precedentes são a prática de um Bodhisatva. • Não a tratem levemente. • Venerem e respeitem seus méritos, que permitem libertar todos os seres.
5. Prática e Gratidão Constantes
Ο A oportunidade de acordar para a mente-Bodhi é, em geral, reservada a seres humanos vivendo neste mundo. Agora que tivemos a boa fortuna não apenas de nascer neste mundo mas também de entrar em contato com o Buda Xaquiamuni, como podemos não ser cheios de felicidade!
Ο Quietamente considerem o fato de que se este fosse um tempo em que a lei verdadeira ainda não tivesse se espalhado pelo mundo seria impossível para nós entrar em contato com ela mesmo que desejássemos sacrificar nossa vidas para o fazer. Quão afortunados por haver nascido no tempo presente, quando podemos realizar tal encontro! Escute o que o Buda disse: “Quando você encontra um mestre que expõe a suprema sabedoria – Bodhi, não considere seu nascimento, não olhe sua aparência, não desgoste de suas faltas, ou se preocupe com o seu comportamento. Ao contrário, em respeito por sua grande sabedoria, reverentemente se prostre em frente a ele três vezes ao dia – manhã, meio-dia e entardecer – não dando a ele qualquer causa de preocupação.”
Nós agora somos capazes de entrar em contato com o Buda Xaquiamuni e ouvir seus ensinamentos graças à bondade compadecida resultante da prática constante de cada um dos Budas e ancestrais. Se os Budas e ancestrais não houvessem diretamente transmitido a Lei, como teria ela chegado até nós? Devemos ser gratos por uma simples frase ou parte da Lei, ainda mais pela grande bem-aventurança surgida do mais alto e supremo ensinamento – O Olho e Tesouro da Lei Verdadeira. O ferido pássaro não se esqueceu da bondade a ele demonstrada, premiando seus benfeitores com quatro anéis de prata. A tataruga aprisionada não esqueceu da sua libertação, mas demonstrou sua gratidão com o selo de Yubu. Se até mesmo animais demonstram sua gratidão pela bondade demonstrada, como podem seres humanos falhar em fazer o mesmo?
O verdadeiro caminho de exprimir esta gratidão não pode ser encontrado em nada mais do que nossa prática Budista diária. Isto quer dizer, devemos praticar sem egoísmo, estimando cada dia de vida.
O tempo voa mais rápido do que uma flecha; a vida é mais transiente do que o orvalho. Não importa quão talentoso você possa ser, é impossível trazer de volta até mesmo um dia do passado. Viver cem anos sem propósito é comer o fruto amargo do tempo, tornar-se um lamentável saco de ossos. Mesmo que você se tenha permitido ser um escravo de seus sentidos por cem anos, se você se entregar ao treinamento Budista por um só dia, você ganhará cem anos de vida neste mundo e também no outro. Cada dia da vida deve ser estimado; o corpo deve ser respeitado. É através de nosso corpo e mente que somos capazes de praticar o caminho; esta a razão pela qual devem ser amados e respeitados. É através de nossa própria prática que a prática dos vários Budas aparece e o seu grande Caminho Ο nos alcança. Logo, cada dia de nossa prática é o mesmo que os deles; a semente da realização do Caminho de Buda.
Ο Todos os vários Budas não são nada mais do que o próprio Xaquiamuni Buda. O Buda Xaquiamuni é nada mais além do fato de que “a mente é o Buda”. Quando os Budas do presente, passado e futuro realizam a Iluminação, eles nunca falham em se tornar o Buda Xaquiamuni. Este o significado da mente ser o Buda. • Estude esta questão cuidadosamente, pois é desta forma • que você pode exprimir sua gratidão aos Budas.
. ler um artigo sobre Shushogi no Blog Sangha Margha
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