A situação em Mianmar pode parecer desoladora, mas um eficaz movimento de protesto não-violento está começando a se formar
de Shaazka Beyerle e Cynthia Boaz*
19/10/2007
Não causou surpresa a junta de Mianmar ter reprimido violentamente a “revolução açafrão”. Os generais tinham perdido toda a credibilidade aos olhos de sua população e lhes restava apenas uma única ferramenta de controle -a repressão.
Mas independente de quantas armas e tanques disponham, os generais ainda dependem de soldados comuns para a realização do trabalho sujo. A história ensina que assim que pessoas suficientes deixarem de se importar com suas ordens, ou trocarem de lado, o poder da junta se desintegrará.
Segundo este ponto de vista, a revolução açafrão não acabou, ela apenas começou.
Monges budistas e civis protestam contra a junta militar de Mianmar
A desobediência está no coração da luta não-violenta. “Mesmo os mais poderosos não podem governar sem a cooperação dos governados”, disse Mahatma Gandhi. Os movimentos não-violentos têm sucesso não necessariamente quando há massas nas ruas, mas quando pessoas suficientes retiram sua cooperação, se recusam a obedecer, e conseqüentemente minam a sustentabilidade do sistema existente.
Relatos de desafio continuam vazando de Mianmar. Fontes dissidentes informam que cartazes da oposição estão aparecendo em espaços públicos, nos muros dos presídios, colados em balões e até mesmo em balsas no rio.
Protestos não são equivalentes a um movimento não-violento, mas são um tipo de tática não-violenta. Além disso, o “poder do povo” não é uma força inexplicável na qual milhares de cidadãos repentinamente aparecem nas ruas e provocam uma conversão nos corações dos opressores.
O poder do povo é uma aplicação sustentada, estratégica, de uma série de táticas não-violentas, incluindo desobediência civil, boicotes, greves e não-cooperação. Gene Sharp, um estudante de não-violência, documentou mais de 198 tipos de ações não-violentas, e cada luta bem-sucedida dá origem a novas.
Os objetivos estratégicos das ações não-violentas são quatro. Elas podem interromper o funcionamento normal de uma cidade, região ou país, tornando impossíveis os negócios de costume. Sob o regime brutal de Augusto Pinochet no Chile, a oposição pediu por um dia de desaceleração, e em um determinado dia a maioria dos moradores de Santiago caminhou sem pressa e dirigiu a meia velocidade, mas desta forma dizendo aos generais que bastava -sem colocar nenhuma pessoa em risco.
Um exilado de Mianmar com fontes dentro do país informou que os ativistas de lá estão “pedindo por não-cooperação com o regime e pelo não comparecimento a fábricas e escritórios”.
Ações não-violentas, como Thomas Schelling, um ganhador do prêmio Nobel de economia, apontou há 30 anos, também podem negar a um opressor o que necessita, como dinheiro, alimento, suprimentos ou efetivo humano.
Durante a revolta popular contra Ferdinand Marcos nas Filipinas, a população sacou seu dinheiro de bancos associados ao regime e deixou de pagar contas. Isto colocou uma grande pressão sobre a economia má administrada, carente de dinheiro. Marcos precisava de dinheiro porque a repressão não vem de graça. Ela custa altas somas para alimentar, transportar e armar soldados, assim como para comprar a lealdade das altas patentes e do círculo interno.
A ação e estratégias não-violentas também podem minar os pilares de apoio do opressor -as instituições e grupos que precisa para manter o controle- incluindo a polícia e as forças armadas. Um exilado de Mianmar informa ter ouvido que os soldados de Mianmar não estão obedecendo plenamente as ordens e que alguns estão faltando ao trabalho, e que aparentemente surgiu um racha entre dois altos generais no “Conselho de Desenvolvimento e Paz do Estado” que governa.
Uma lição de lutas não-violentas do passado é a importância da comunicação de uma visão da sociedade baseada na justiça, não vingança, que inclui um lugar para aqueles que desertem do lado opressor.
Finalmente, ações não-violentas podem atrair pessoas para a oposição. Um crescente número de cidadãos de Mianmar está desligando a televisão, até mesmo as luzes, quando o noticiário noturno do regime tem início, portanto sinalizando apoio à oposição e repúdio ao governo.
Assim, se os generais queriam todos quietos, eles conseguiram -uma mobilização silenciosa com potencial de crescer. Este foi o caso na Turquia em 1997, quando um protesto contra a corrupção que teve início quando as pessoas apagaram as luzes terminou com manifestações de 30 milhões.
Enquanto estava na prisão, o reverendo Martin Luther King Jr. escreveu: “Nós sabemos por dolorosa experiência que liberdade nunca é dada pelo opressor; ela deve ser exigida pelo oprimido”. Em Mianmar, milhares fizeram e continuam fazendo isto.
*Shaazka Beyerle é consultora sênior do Centro Internacional de Conflitos Não-Violentos. Cynthia Boaz é professora assistente de ciência política e estudos internacionais da Universidade Estadual de Nova York, em Brockport.
– Tradução: George El Khouri Andolfato
Original em inglês no site do International Herald Tribune
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